terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Prego


Prego era mais uma ordinária cria do caos urbano. Nascido entre dejetos e escórias, sua sorte nunca fora das melhores. Desde a infância acostumou-se a viver mergulhado no desespero social que o cercava. Violência, fome e drogas formavam o caldo grosso e doloroso de sua rotina.
A podridão só era acalmada pelo encantamento proporcionado pelo crack. Prego era um sacizeiro obstinado. Queimava pedras da droga com grande freqüência e extremo afinco. Concentrava-se com a lata na mão trêmula de falanges desgastadas e metia fogo. Era a religião de Prego. Era a mãe de Prego. O crack era a comida, o sexo e a cama do desgraçado pivete.
Morador da praça do Passeio Público, na região central de salvador, garantia o sustento do vício comendo veados velhos que circulavam pelo vizinho bairro dos Barris. Roubava otários na Lapa pela manhã, vadiava e dormia na Praça da Piedade no período vespertino e à noite perambulava, fétido e transtornado pela Praça do Campo Grande.
Prego era feio. Horrível de fato e de nome.  Batizado Luciclebiano pela mãe puta que o abandonara, recebeu o apelido de “Prego” dos colegas de rua e de drogas devido ao formato do corpo. Cabeça enorme e corpo extremamente magro, seco mesmo.  Não possuía os dentes da frente. No lugar, o vazio formava uma pequena janela de acesso ao inferno de doenças que infestavam o organismo pútrido. O rosto era apinhado de cicatrizes e marcas das mais variadas origens e infecções.
Arrastava-se malandramente, com o corpo arqueado de preguiça e embriaguês. Fardando sempre uma camisa do Bahia toda brocada, Prego gostava de desafiar a polícia xingando todas as viaturas que passavam: “Vai, viado!!! Fila da puta!!!”. Por falar em polícia, não foram raras as vezes em que o inditoso rapaz visitara a carceragem do complexo penitenciário dos Barris. Seus deslizes mais comuns eram roubo e furto. Mas também já caíra por atentado violento ao pudor, tráfico, desacato, briga de carnaval e desordem pública.
Sentia-se vaidoso pelo histórico de mau elemento, ostentava as cagadas nas quais se metia sempre que possível. Enumerava, faceiro, os atos de barbárie e bobagens de pivete nas conversas com outros filhos de putas que encontrava pela vida.  Atitude que o tornava uma espécie de líder entre os pedaços de lixo humano que o acompanhavam nas rodas de conversa fiada e mentiras cabeludas. 
Um dos lugares preferidos de Prego, fora as praças do Centro era a cadeia de bares localizada em frente ao Forte de São Pedro. Zanzava sempre por ali, na espreita, ligado, esperando algum playboy dar mole, para furtar alguma coisa. Pedia cigarros, goles de cerveja, bulia com a mulher dos outros e espalhava fedor e medo por onde houvesse sombra de si.
Prego morreu em 2009, aos vinte e poucos anos (nem ele tinha certeza da idade), atropelado por um coletivo que fazia a linha Campo Grande – Villas do Atlântico, em frente ao Colégio 2 de Julho, no Garcia. No bolso da bermuda Cycrone, havia uma pequena pedra de crack, uma nota de 2 reais, um chaveiro do Bahia sem chaves e muito, muito ódio do mundo acumulado.  

2 comentários:

  1. Aqui no centro ainda exitem muitos Pregos... Melhor, a cidade toda esta infestada de "Pregos"

    ResponderExcluir
  2. Exatamente... aqui ainda encontramos vários Prego.
    O nosso Luciclebiano teve um final triste, mas pelo menos sempre mostrou o seu amor pelo Esquadrão de Aço. Seu amor era tanto, que as vezes era confundido com o internacionalmente conhecido Binha de São Caetano.

    ResponderExcluir